Você está no mar com a sua prancha e vê aquela onda grande. Você olha a beleza da parede enorme de água salgada vindo em sua direção e … não tem jeito, bate aquele medo!
E agora? Nadar para fugir? Encarar a onda com coragem sem saber se vai conseguir surfar?
Essa é a rotina de novos e veteranos surfistas.
Carlos Burle é o nosso entrevistado do site Pequeno Artista este mês. Conhecido como caçador de ondas gigantes, é uma referência para todos que iniciam no surf, admirado pela sua coragem diante das muralhas de ondas que enfrenta. Mas será que Burle nunca sente medo? Como ele trabalha esse sentimento tão intenso, que faz parte do ser humano em toda a sua vida? Que lições ele dá para as novas gerações que estão iniciando no surfe?
Burle bateu um papo animado com o Fuinha, que também é o nosso amigo surfista, dando dicas e contando coisas que a gente queria entender. Entre outras coisas, ele fala como se especializou na leitura do mar, a coisa mais importante que um surfista deve entender.
Fuinha – Oi Burle! Que legal que vou conversar com você! Sou muito seu fã! Conta pra turma há quanto tempo você surfa? Começou com quantos anos e quando descobriu que tinha habilidade para surfar as ondas gigantes?
Burle – Comecei a surfar com 13 anos. Eu descobri que tinha habilidade para surfar as ondas maiores quando fui pro Havaí pela primeira vez e eu tinha 19 anos, foi em 1986,
Fuinha – Nossa, você começou a surfar com a minha idade! Mas eu nem sonhava nascer. Por que decidiu buscar as ondas gigantes e o que acha ser o básico na preparação pra dropar uma onda enorme?
Burle – Eu fui pelo caminho das ondas gigantes porque sempre procurei desafios na minha vida e por também saber que eu levava jeito, sabia que ali eu tinha mais chances de ser bem sucedido.
O básico na preparação para dropar? Bem, em primeiro lugar você tem que gostar, senão você não consegue superar os limites durante muito tempo. Depois você precisa ter uma boa condição física e psicológica também. Você tem que treinar bastante e ser bem preparado. Pode até pegar umas ondas durante um tempo ou porque você leva jeito ou porque você tem um físico bom pra isso, mas pra você ser conhecido como um campeão, pra você ser reconhecido dentro do seu esporte, ter endurance, você vai ter que realmente cuidar do seu corpo e também da sua mente.
Fuinha – Entendi. Outra pergunta. Você já se provou em vários tipos de ondas, lajes brasileiras e internacionais, e é tomado como exemplo por crianças, jovens e adultos brasileiros que têm o mesmo sonho de dropar ondas gigantes. Apesar do treino, o surfista de ondas gigantes não sente medo? Como a gente pode manter a coragem diante do medo, cara? Vou confessar, eu tenho muito medo!
Burle – A coragem é muito psicológica e pra você ter confiança em você, tem que ser honesto com você e ser sincero no seu treino. Aos poucos vai evoluindo, começa a pegar ondas maiores, sentindo mais confiante e começa a ser bem sucedido e é lógico que tem que manter um treino forte para que você consiga alcançar seus objetivos.
O medo está sempre presente! Esse medo vai bater na tua porta todos os dias, às vezes mais intenso, às vezes menos intenso, mas você tem que trabalhar sempre o encarando, porque o medo é a resposta dos seus sentimentos. Ele é um sinal dos seus sentimentos. Você pode num dia pensar:
“Ah … eu tô sentindo muita adrenalina agora porque vou pegar uma onda gigante”. Legal! Mas tem que ver se você está preparado fisicamente.
Você pode responder pra você mesmo: “Eu tô, eu treinei muito!” ou “ Eu tenho uma equipe preparada!” ou “Eu aprendi a fazer os primeiros socorros!”
Depois de anos nesse meio você vai adquirindo mais confiança como qualquer outra plataforma na sua vida. Quanto mais você dedica o seu tempo, acumula conhecimento, pratica, vai tendo confiança e o seu equilíbrio emocional Aí entra a parte que acho mais importante, cuidar da cabeça, do lado emocional. É importante fazer meditação, yoga e ter uma conexão com sua essência. Os grandes campeões, e no meu caso, como você mesmo falou que sou respeitado no Brasil, no exterior, surfo diferentes ondas, não foi porque eu ganhei um campeonato ou porque bati um recorde , são anos e anos trabalhando e me superando. Realmente se você quiser se destacar em qualquer coisa na vida você tem que se esforçar.
Fuinha – Isso é muito importante mesmo! Legal essa dica. Você faz algum treino fora
d´água? Pratica apnéia?
Burle – Eu treino constantemente fora d água e pratico algumas técnicas que me ajudam bastante. Podem ser exercícios físicos e pra mente como falei, meditação, preces, concentração, visualização, tudo isso acho muito importante. Nesse momento estou fazendo uma série de exercícios que se chama “pratique movimento” e está me dando mais mobilidade ao meu corpo. Tenho feito mais treinamentos funcionais, treinamentos com equilíbrio, tudo sempre visando o fortalecimento dos músculos com o alongamento. E já fiz alguns cursos de apnéia , mas confesso que agora não estou competindo então não estou sentindo muita necessidade de praticar na minha rotina. Eu confio na minha apnéia, confio no meu pulmão, graças a Deus.
Fuinha – E que pulmão, heim! Além de todas as suas conquistas você ainda salvou a vida de Maya Gabeira na praia de Nazaré, em Portugal. Isso foi incrível!
Agora um assunto que eu tenho muita curiosidade de saber: como se especializou na leitura do mar?
Burle – É muito importante isso que você perguntou, é a parte mais importante de tudo. Leitura do mar é uma relação muito interessante, eu adoro! Primeiro você tem que construir essa relação, ver o mar como seu amigo, entender como ele funciona. Tem dias que ele está mais bem humorado, tem dias que ele está com o humor mais forte, e aí você começa a mapear esse Ser, que, no caso, é o maior Ser que existe na face da terra, o mar.
Você começa a entender bem como as correntes funcionam e como as marés funcionam. De que forma você deve agir quando o mar está muito quente ou quando o mar está muito frio. Como os ventos reagem com o mar, com o ambiente, quando a praia é de pedra ou quando a praia é pedra com areia ou quando é de coral. Começa entender quando a onda tem um intervalo curto ou quando a onda tem um intervalo longo.
Eu falo sobre isso para as pessoas que levo pra surfar comigo: você tem que remar bem em cima da onda, você tem que surfar bem, mas o mais importante é a leitura, é você saber o “time”, virar na hora certa pra pegar a onda, saber se a onda vai quebrar na sua frente ou se vai passar por você, saber como cair. Isso tudo é sobrevivência!
Fuinha – Muito irado! A gente precisa entender como funciona o mar, a natureza, né? O mar é sempre amigo, mas é um amigo que a gente precisa conhecer bem para saber usufruir a amizade da forma certa e para curtir as suas ondas, entrar na brincadeira. Entendi!!! Melhor parte da entrevista até agora, Burle!
Você está fazendo algum trabalho com a nova geração de atletas? Como funciona o treino para uma criança ou um jovem que tem o sonho de ser um futuro Carlos Burle do surfe?
Burle – Nesse momento eu trabalho só com o Lucas Chianca, há dois anos. A gente tem uma relação muito próxima, eu passo todo o meu aprendizado, tudo o que compartilhei aqui hoje com você. O ser humano no todo, a parte física, espiritual e mental, as relações com o meio ambiente, com as pessoas, a relação com a mídia, com os patrocinadores. A performance dentro do campeonato e a performance fora do campeonato. E quando eu tenho oportunidade de passar isso para as novas gerações eu também passo dessa forma, porque eu acredito no ser humano completo. Uma pessoa que seja bem sucedida na vida e não só um atleta bem sucedido.
Fuinha – Pra finalizar, gostaria que você deixasse um alô, um incentivo pra galera que curte o site Pequeno Artista e que já tem planos para seguir esse caminho bonito e inspirador que você contou pra gente.
Burle – Pessoal do Pequeno Artista, vocês que curtem o surfe, é o Burle aqui e eu quero deixar pra vocês uma mensagem muito positiva. Aproveitem a vida porque ela é única, independente se querem ser surfistas ou não. Se preparem porque as oportunidades aparecem para quem está preparado. A sorte aparece pra quem trabalha e pra quem se dedica. Se conecte com sua essência, pois você é a pessoa que mais sabe o que é melhor pra você. Procure ser uma pessoa que tenha autoconhecimento pra que você dê o melhor pro teu corpo, para tuas emoções e pro seu espírito. E se você quiser e gostar de surfar, se cerque de pessoas que querem compartilhar com sinceridade, paixão e amor e profissionalismo a técnica com vocês. Um beijo e tudo de bom!
Fuinha – Obrigado Burle!